Replicar passeios sem falar


Nos meus tempos de menina, fui com o meu pai várias vezes pelos mercados da cidade
                       Ele deixava-me mexer na fruta e legumes, medir as canecas de fuba e farinha
                                          Pedia as vendedoras que me deixassem recriar os montes das suas vendas.

Levava-me ao embarcadouro do Mussulo
       Sentávamo-nos à beira da praia a apreciar os banhistas, ver quem vinha ou ia no Kapossoka (barco que fazia a travessia Luanda-Mussulo e vice-versa)

Kapossoka- Via Google
               Quando embarcassem, mergulhávamos da ponte, quando ele não me atirasse para a parte mais funda e pedia-me que nadasse até aonde tivesse pé

Comíamos banana pão assada com ginguba torrada no mercado do artesanato,

Banana Pão com ginguba- Via Google
                        Aonde ele sorria ao ver-me experimentar as bijuterias feitas ali mesmo, ou em lugares não tão longe, e comprava-me cestas pequeninas que eu fazia de lancheira.

Cestas- Via Google
Íamos ver o pôr-do-sol no museu da escravatura

E tudo isso sem dizer uma palavra.

Em tempos fiz o mesmo trajecto…

Levei os meus meninos ao mercado, mas as senhoras já não os deixavam mexer nas canecas, na fuba, nos montes das suas vendas.

O embarcadouro agora está abarrotado de carros e os banhistas locais, os que não se atrevem nem a tentar fazer a travessia em chatas que gritam de tanto navegar por aquelas águas.  Essas águas, hoje sujas e não mais calmas, arrepiam até de olhar para elas. O Kapossoka, esse ficou na história...

Comemos banana pão com ginguba e apreciamos a arte da mesma forma. Os meninos compraram lembranças e eu mais cestas de todos os tamanhos.

Tentamos ver o pôr-do-sol no museu da escravatura, buscando o silêncio e harmonia de que se lembrava o meu corpo… Queria replicar esses marcos, esses eventos, mas apenas vivo das memórias que partilhei com os meus filhos em estórias que fui contando dos passeios sem falar. 

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