Aberto


Desculpem-me ter mantido o sinal à porta da biblioteca do lado encerrado por muitos dias, semanas… Tem havido críticas ao meu trabalho e uma delas fez-me questionar a minha intenção, a minha jornada aqui partilhada.

Via Google

Mas hoje abri as portas novamente. Vim para aqui já tarde, mas aqui estou. Felizmente deixei que a minha empregada Maria passasse por aqui de tempos em tempos para fazer uma faxina. Fui vendo os vossos recados, os comentários deixados.

Ao abrir a porta, pousei a torre de bolos secos e bolachinhas que fiz ontem à noite no balcão à entrada. Também trouxe a minha latinha de caramelo caseiro, o coco de cabrito como os chamavam, que os pequenos adoram. Abri os doces e guloseimas e deixei-os dançar com o aroma das flores que me deixara a minha Maria. O que seria de mim sem ela?

Tive saudade de dois cantos nesse espaço durante essa ausência. Um deles, o da leitura com e para os pequeninos que me visitavam. Mas mais ainda o canto dos livros antigos, aqueles que trazem neles mensagens passadas…

De olhos fechados, estiquei os braços para o ar e tirei o primeiro que toquei com o meu polegar direito. De velho não parecia ter nada. A capa estava brilhante, como nunca pareceram a ter aberto, mas as rugas verticais no canto esquerdo não podiam mentir.

Fico inspirado por letras como vocês que, “para empréstimo”, vão abraçando uma pessoa de cada vez. Que o resto da vila beba do saber desses vossos gestos.
                                                         Sempre,
~ Bono~

Já tinha antes ouvido falar nas letras para empréstimo e aprecio o trabalho deles. Um grupo que faz, na falta de bibliotecas equipadas, um exercício para promover a leitura. Alguns deles fazem mais, convidando alguns dos seus leitores, seguidores por eventos de Cá e de Lá…

Fui até à mesa da caixa de registo. Pousei o livro. Liguei o computador e sentei-me para tomar o meu chá e reabrir a minha pequena livraria, a mesma do sonho.

O livro
Bia Google
A porta abre-se ao toque do tintilar dos sinos por trás dela. Corre para dentro da loja um menino em direcção ao canto infantil, e um senhor mesmo aos calcanhares dos seus passos. O senhor parou ao lado do menino e olhou ao seu redor.

-       - Quando é que voltaram a abrir? Perguntou.
-       - Acabo de abrir as portas…
-       - Andei a rondar por aqui, desde que cheguei de viagem há mais de dois meses.
-      -  Pois! Abri a loja e deixei de cá vir nos últimos tempos.
-       - Procuro por um livro.
-       - Que livro pretende?
-       - Um para substituir o que me foi roubado há mais de um ano atras.
-       - Titulo?
-       - Antes mesmo do titulo, deixa-me dize-la o porquê da minha procura…
-       - Diga lá.
-       - É uma relíquia.
-       - Sim!?
-       - Tinha uma dedicatória do Bono. Sabe o que é isso?

O senhor virou-se para olhar para o filho. Eu voltei ao balcão.

-      -  Lembra-se de que cor é o livro que procura? Perguntei-o com o meu as mãos.
-       - A cor não importa. Interessa é que quase mal o abri para não o enrugar. Conservei-o bem para um miúdo roubar-me à porta do Karl Marx após um concerto dos U2.

Ele virou-se para olhar para mim. Mostrei-o o livro sem mesmo falar.

O senhor agarrou no livro com as duas mãos. Parecia não conseguir aguenta-lo nas mãos trémulas. Perguntou-me com os olhos a certificar-se que tinha o livro certo. Apenas pude acenar com um sorriso.

Sentou-se ao lado do filho, receoso de abrir o livro. Manteve o polegar entre a capa e as primeiras páginas. Olhou novamente para mim e leu as letras do Bono. Abraçou o livro por uns segundos, pô-lo na mochila e agradeceu-me por ter reaberto a loja nesse dia em que o filho estava inquieto por ir comprar um livro novo.

Sentamo-nos os dois a tomar um chá. Ele contou-me o seu amor pelas letras e apreciação pelo Bono e pela sua música. Bem quase que como “100 maneiras”, agora à porta daquela loja em frente ao Karl Marx, falamos até depois do pôr do sol. O filho adormeceu ao seu colo, ao roncar dos geradores ao nosso redor que silenciavam o alarido do dia e despertavam a quietude da noite.

Hoje abri as portas novamente, na esperança de poder ter letras inspiradoras, ainda que não “para empréstimo”, que venham criar ligações, estender laços e educar muitos. Sei que criticas nos afectam e algumas até paralisam. Essas que me fizeram parar e ao mesmo tempo me fazem pensar, na verdade não deixam de me inspirar, e as vezes mesmo de fazer-me dançar, como na imagem que segue.

A magia dos livros, de cria-los e encontra-los; as vezes da para dançar.

Comments

  1. Lá diz a sabedoria popular que se todos gostassem da mesma cor o que seria do amarelo. Quando se gosta é a sério, bebe-se cada palavra como se fosse a fonte da vida. Ficar sem esse néctar que são as palavras faz-nos definhar e apodrecer por dentro.

    Kisses
    MSM

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  2. OI Lwsinha, que vom que você abriu as portas novamente e vai estar aqui postando seus textos ótimos;
    beijos
    Chris
    Inventando com a Mamãe

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    1. Obrigada pelo apoio, Chris!
      Jinhos&Beijinhos
      Lwlw

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  3. acho que ELES iam gostar de ler essas palavras.
    mas tenho muita curiosidade em saber que tipo de emoções lhes viria a mente depois de lerem um elogio tão forte como este.
    thanks, isso merece partilha.
    bjos

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    1. Salucombo_Jr., também fico eu curiosa em saber que emoções seriam. Por agora gratifica-me ver que soube-lhes bem a caramelo, um doce que também AMO, apesar de não saber bem explicar como...
      Obrigada pela visita!
      Jinhos&Beijinhos

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