"Minha Amiga Propoletra"- a história
Depois de ter partilhado aqui no "Dicas e Pensamentos", a 2 de Julho de 2011, imagens e uma sinopse do primeiro livro infantil de Francisca Nzenze entitulado "Minha Amiga Propoletra", disse-me a autora que encontrava-se a venda no supermercado Kero e que mais tarde havia sido encontrado no free Shop do aeroporto 4 de Fevereiro em Luanda. Hoje a autora pediu-me que partilhasse a historinha aqui.
MINHA AMIGA PROPOLETRA
Me chamo Luati. Tenho 5 anos 7 meses e 5 dias. Faço um “xis” azul, a cada dia que passa, num calendário de papel que ganhei de minha mamãe. Ela disse que assim eu ia para de perguntar: “ainda falta muito para o meu aniversário?”
Para a minha família sou o “Senhor Perguntão”, de fama e profissão. Pelo menos é o que diz minha mamãe!
Quando me levanto de manhã, a primeira coisa que faço é saber o que mudou enquanto eu dormia. Olho para as minhas unhas…nãh, ainda não cresceram. Mas a massinha de modelar grudada nelas, está cada vez mais escura!!!
Depois me olho no espelho. Vejo que tenho umas “massinhas” amarelas no canto dos olhos, e…e… o que é isso??
— Mamããããe! O que é isto que fica aqui— digo, apontando— no canto do olho, todos os dias quando a gente acorda? Você também tem? E papai? E vovó? E…
— Calma, senhor Perguntão. Antes de tudo, bom dia! Essas são remelas. E sim, todo o mundo tem, o papai, a vovó, a professora, a bailarina…
Mas eu quero saber mais:
— De onde vêm?
Mas mamãe, que já conhece todos os meus truques para começar uma montanha de perguntas, diz, mandona:
— Posso dizer para onde vão, se você for já lavar o rosto!
E lá vou eu. Mas, a meio caminho penso nos peixinhos. Será que, vivendo debaixo de água, têm remelas? Vou guardar essa pergunta para o papai. Mamãe deve estar arrumando a minha mochila e quando vir me ajudar no banho, tenho certeza de que não vai dizer mais uma palavra. Faz aquela cara de má, que eu já sei o que quer dizer. Nem preciso perguntar...
Agora estou a tomando o café da manhã, ou mata-bicho como papai gosta de chamar. Ele diz que temos um bichinho no estômago, que temos de matar a fome e alimentar o tal de bichinho, senão ele rói, rói, rói e nos causa uma úlcera! Sim, uma úlcera. Aprendi a palavra com o meu pai. Ele é médico e sabe tudo, ou melhor, quase tudo. Não sabe, por exemplo, se os peixinhos têm remelas. Ele diz:
— Você faz cada pergunta Luati!!! Os peixes terem remelas… Escuta, eu estou com pressa para chegar no trabalho. Mais tarde a gente procura um livro sobre as remelas dos peixinhos. Combinado?
— Combinado!
Passando pela sala, vejo minha irmã. Ela tem 14 anos e se chama Alice. Ela está lendo uma revista. Deve ter muitas respostas para as minhas perguntas. Começo:
— Você pode me dizer se os peixinhos, que moram lááááá no fundo do mar, também têm remelas?
— Sei lá se eles têm remelas. Eu tenho olheiras e extraordinariamente umas tantas borbulhas… Quer me deixar ler em paz, Sr. Perguntão?!
— Porquê…— tento uma outra vez, mas ela nem me deixa falar!
— Porque sim! E agora vá embora e me deixe em paz! Sr. Chatarrão. Vá logo para a escola aprender a ler, a ver se deixa de fazer tanta pergunta boba. Mamãe já buzinou três vezes. VÁ EMBORA!
Chatarrão deve ser um chato bem grandão…extraordinariamente o que será? Alice é quem tem menos paciência comigo. Mamãe diz que é por ela ser adolescente, e que são todos assim… chatos! Ela só não conseguiu me explicar direito porquê toooodos adolescentes são chatos.
Boto a língua para fora “mmmnh” e fujo correndo para o carro. Mamãe já está impaciente comigo. Vou ter que esperar por outra pessoa para os meus “porquês”…
Na escola estou sempre com a mão no ar, prontinho para fazer perguntas à professora. Eu acho que ela também não tem muita paciência comigo. Às vezes ela diz:
— Pelo amor de Deus, Luati, o que é que isso tem a ver com a aula? Pare de fazer perguntinhas e fique atento. Assim você não aprende nada. Onde já se viu?
— Porquê? Perguntar não é para aprender? A professora não está aqui para ensinar? E porque é que…
— Chega!_ ela dá um gritinho e eu dou um pulinho assustado_ Você vai ficar caladinho e só vai falar quando EU mandar. Se voltar a interromper a aula não vai sair para o intervalo. ENTENDIDO?
Me sinto injuriado. Grande palavra hein? Ouvi ontem na televisão. Papai me explicou o significado. Hoje posso usar a nova palavra. Estão vendo como é útil perguntar: PORQUÊ?
À hora do almoço, estamos todos sentados à mesa. Todos já terminaram e agora tomam café e lêem. Mamãe lê o jornal, papai lê uma revista de culinária e a adolescente lê uma revista que deve falar sobre borbulhas, ou não estaria tão concentrada.
Hoje o almoço tem brócoli. Detesto brócoli. Por mais que o papai me diga que têm vitaminas, blá, blá, blá, que ajudam a crescer e sei lá o que mais, não gosto, não gosto e não gosto! Então como só as batatas fritas e saio da mesa. Nem dão por mim. Tanto melhor.
Agora estou triste. Não tenho com quem falar, nem sei ler como eles, e já cansei de tooooodos os meus livrinhos...
Querem saber? Vou buscar livros diferentes! E até já sei onde ficam...
Desço até à cave. Lá estão muitos livros e tantas outras coisas para explorar! Tem muita coisa velha aqui, algumas bem interessantes… Minha língua está “coçando” com tantas perguntas. Mas vou ao que interessa: o caixote dos livros.
Encontro um com uma capa muito estranha. Tem uns relógios moles desenhados na parte de trás, e na frente, uma mulher meio verde e amarela toda torta! Que feio! Encontro um outro bem grande, pesado como um saco de batatas. Tem alguns desenhos… Serve perfeitamente para mim!
Quando desfolho a primeira página, se forma uma nuvem de poeira, tão branca e tão grande, que penso que estou novamente na cozinha espreitando, curioso, para dentro de uma tigela onde papai experimentava uma receita nova. Era farinha para todos os lados…
Me levanto tossindo muito, os olhos ardendo… o que está acontecendo? Porquê?…
Aí eu ouço uma voz muito fraquinha. Imagino que se uma formiga falasse, teria aquela voz. A voz, que afinal vem da poeira, diz:
— Estava me procurando e cá estou eu. Pergunte tudo o que quiser. Eu tenho todas as respostas. Se você quer saber, eu sei tudo, tudinho…
Eu, o senhor Perguntão, fico mudo. Não sai uma pergunta de minha boca. Enquanto isso, a nuvem toma a forma de uma borboleta, e é isso o que eu consigo dizer
— B…borboleta …fa… fala???!!!
— Borboleta não! Eu sou uma PROPOLETRA! Uma espécie de borboleta, só que feita de prosa, poesia e muitas letras! Nasci dos livros e deles vivo. E, aliás, é por isso que sei tudo…tudinho.
E a Propoletra tagarela continua…
— Quando sei de algum menino muito curioso, cheio de perguntas por fazer, sempre disposto a usar as palavras: porquê?, o quê?, como?, mando mensagens, através de um sonho, por telepatia, ultimamente até pela Internet. O resto você já sabe, não é? Os meninos vêm ter comigo!
Minha nossa! Achei uma criatura que consegue falar mais do que eu. Nem fiz ainda uma pergunta!
— Porquê você fala tanto? -Pergunto finalmente.
— Se quiser que eu me cale, só tem que fechar o dicionário.
— O dicio quê?
— Esse livro, ao qual você chamou de saco de batatas. É um livro importantíssimo. Todas as pessoas do mundo devem ter um. O dicionário tem muitas respostas. Imagine pois, com esse tamanho todo!
— Não fecho, de jeito nenhum! Agora achei alguém com quem falar, e pelo visto com muita vontade de falar, vou tratar de aproveitar!
E querem saber? A menina Propoletra fala muito e sabe muito também! Como ela diz, tem livre acesso a todos os livros do mundo.
Já viajámos por 5 continentes. Conheci centenas de animais. Provei tanta comida nova, que meu pai vai ter inveja quando contar o que é a verdadeira gastronomia! Descobri quem desenhou os relógios moles do outro livro e, afinal, já não acho a mulher amarela, verde e torta tão feia. Aliás, ela é bem bonita! Descobri o que é um adolescente e faço questão de não contar para Alice como se livrar das borbulhas. A Propoletra me mostrou que as letras, quando separadas, são apenas sons e, quando juntamos vários sons, formamos palavras. Estou aprendendo, com a ajuda da minha amiga Propoletra, a LER! Sim, isso mesmo. Ler e viajar pelos livros, pelas histórias, vivendo verdadeiras aventuras...
Agora, sempre que tenho uma pergunta, minha amiga Propoletra me ajuda. Ela e os livros, principlamente o dicionário. Ele está sempre disposto a “ dizer” o que é indagar, averiguar, inquirir…
Só não consegui ainda descobrir (nem a sabichona Propoletra me soube dizer), se lááááá, no fundo do mar, os peixinhos acordam com remelas nos olhos…
FIM
MINHA AMIGA PROPOLETRA
Me chamo Luati. Tenho 5 anos 7 meses e 5 dias. Faço um “xis” azul, a cada dia que passa, num calendário de papel que ganhei de minha mamãe. Ela disse que assim eu ia para de perguntar: “ainda falta muito para o meu aniversário?”
Para a minha família sou o “Senhor Perguntão”, de fama e profissão. Pelo menos é o que diz minha mamãe!
Quando me levanto de manhã, a primeira coisa que faço é saber o que mudou enquanto eu dormia. Olho para as minhas unhas…nãh, ainda não cresceram. Mas a massinha de modelar grudada nelas, está cada vez mais escura!!!
Depois me olho no espelho. Vejo que tenho umas “massinhas” amarelas no canto dos olhos, e…e… o que é isso??
— Mamããããe! O que é isto que fica aqui— digo, apontando— no canto do olho, todos os dias quando a gente acorda? Você também tem? E papai? E vovó? E…
— Calma, senhor Perguntão. Antes de tudo, bom dia! Essas são remelas. E sim, todo o mundo tem, o papai, a vovó, a professora, a bailarina…
Mas eu quero saber mais:
— De onde vêm?
Mas mamãe, que já conhece todos os meus truques para começar uma montanha de perguntas, diz, mandona:
— Posso dizer para onde vão, se você for já lavar o rosto!
E lá vou eu. Mas, a meio caminho penso nos peixinhos. Será que, vivendo debaixo de água, têm remelas? Vou guardar essa pergunta para o papai. Mamãe deve estar arrumando a minha mochila e quando vir me ajudar no banho, tenho certeza de que não vai dizer mais uma palavra. Faz aquela cara de má, que eu já sei o que quer dizer. Nem preciso perguntar...
Agora estou a tomando o café da manhã, ou mata-bicho como papai gosta de chamar. Ele diz que temos um bichinho no estômago, que temos de matar a fome e alimentar o tal de bichinho, senão ele rói, rói, rói e nos causa uma úlcera! Sim, uma úlcera. Aprendi a palavra com o meu pai. Ele é médico e sabe tudo, ou melhor, quase tudo. Não sabe, por exemplo, se os peixinhos têm remelas. Ele diz:
— Você faz cada pergunta Luati!!! Os peixes terem remelas… Escuta, eu estou com pressa para chegar no trabalho. Mais tarde a gente procura um livro sobre as remelas dos peixinhos. Combinado?
— Combinado!
Passando pela sala, vejo minha irmã. Ela tem 14 anos e se chama Alice. Ela está lendo uma revista. Deve ter muitas respostas para as minhas perguntas. Começo:
— Você pode me dizer se os peixinhos, que moram lááááá no fundo do mar, também têm remelas?
— Sei lá se eles têm remelas. Eu tenho olheiras e extraordinariamente umas tantas borbulhas… Quer me deixar ler em paz, Sr. Perguntão?!
— Porquê…— tento uma outra vez, mas ela nem me deixa falar!
— Porque sim! E agora vá embora e me deixe em paz! Sr. Chatarrão. Vá logo para a escola aprender a ler, a ver se deixa de fazer tanta pergunta boba. Mamãe já buzinou três vezes. VÁ EMBORA!
Chatarrão deve ser um chato bem grandão…extraordinariamente o que será? Alice é quem tem menos paciência comigo. Mamãe diz que é por ela ser adolescente, e que são todos assim… chatos! Ela só não conseguiu me explicar direito porquê toooodos adolescentes são chatos.
Boto a língua para fora “mmmnh” e fujo correndo para o carro. Mamãe já está impaciente comigo. Vou ter que esperar por outra pessoa para os meus “porquês”…
Na escola estou sempre com a mão no ar, prontinho para fazer perguntas à professora. Eu acho que ela também não tem muita paciência comigo. Às vezes ela diz:
— Pelo amor de Deus, Luati, o que é que isso tem a ver com a aula? Pare de fazer perguntinhas e fique atento. Assim você não aprende nada. Onde já se viu?
— Porquê? Perguntar não é para aprender? A professora não está aqui para ensinar? E porque é que…
— Chega!_ ela dá um gritinho e eu dou um pulinho assustado_ Você vai ficar caladinho e só vai falar quando EU mandar. Se voltar a interromper a aula não vai sair para o intervalo. ENTENDIDO?
Me sinto injuriado. Grande palavra hein? Ouvi ontem na televisão. Papai me explicou o significado. Hoje posso usar a nova palavra. Estão vendo como é útil perguntar: PORQUÊ?
À hora do almoço, estamos todos sentados à mesa. Todos já terminaram e agora tomam café e lêem. Mamãe lê o jornal, papai lê uma revista de culinária e a adolescente lê uma revista que deve falar sobre borbulhas, ou não estaria tão concentrada.
Hoje o almoço tem brócoli. Detesto brócoli. Por mais que o papai me diga que têm vitaminas, blá, blá, blá, que ajudam a crescer e sei lá o que mais, não gosto, não gosto e não gosto! Então como só as batatas fritas e saio da mesa. Nem dão por mim. Tanto melhor.
Agora estou triste. Não tenho com quem falar, nem sei ler como eles, e já cansei de tooooodos os meus livrinhos...
Querem saber? Vou buscar livros diferentes! E até já sei onde ficam...
Desço até à cave. Lá estão muitos livros e tantas outras coisas para explorar! Tem muita coisa velha aqui, algumas bem interessantes… Minha língua está “coçando” com tantas perguntas. Mas vou ao que interessa: o caixote dos livros.
Encontro um com uma capa muito estranha. Tem uns relógios moles desenhados na parte de trás, e na frente, uma mulher meio verde e amarela toda torta! Que feio! Encontro um outro bem grande, pesado como um saco de batatas. Tem alguns desenhos… Serve perfeitamente para mim!
Quando desfolho a primeira página, se forma uma nuvem de poeira, tão branca e tão grande, que penso que estou novamente na cozinha espreitando, curioso, para dentro de uma tigela onde papai experimentava uma receita nova. Era farinha para todos os lados…
Me levanto tossindo muito, os olhos ardendo… o que está acontecendo? Porquê?…
Aí eu ouço uma voz muito fraquinha. Imagino que se uma formiga falasse, teria aquela voz. A voz, que afinal vem da poeira, diz:
— Estava me procurando e cá estou eu. Pergunte tudo o que quiser. Eu tenho todas as respostas. Se você quer saber, eu sei tudo, tudinho…
Eu, o senhor Perguntão, fico mudo. Não sai uma pergunta de minha boca. Enquanto isso, a nuvem toma a forma de uma borboleta, e é isso o que eu consigo dizer
— B…borboleta …fa… fala???!!!
— Borboleta não! Eu sou uma PROPOLETRA! Uma espécie de borboleta, só que feita de prosa, poesia e muitas letras! Nasci dos livros e deles vivo. E, aliás, é por isso que sei tudo…tudinho.
E a Propoletra tagarela continua…
— Quando sei de algum menino muito curioso, cheio de perguntas por fazer, sempre disposto a usar as palavras: porquê?, o quê?, como?, mando mensagens, através de um sonho, por telepatia, ultimamente até pela Internet. O resto você já sabe, não é? Os meninos vêm ter comigo!
Minha nossa! Achei uma criatura que consegue falar mais do que eu. Nem fiz ainda uma pergunta!
— Porquê você fala tanto? -Pergunto finalmente.
— Se quiser que eu me cale, só tem que fechar o dicionário.
— O dicio quê?
— Esse livro, ao qual você chamou de saco de batatas. É um livro importantíssimo. Todas as pessoas do mundo devem ter um. O dicionário tem muitas respostas. Imagine pois, com esse tamanho todo!
— Não fecho, de jeito nenhum! Agora achei alguém com quem falar, e pelo visto com muita vontade de falar, vou tratar de aproveitar!
E querem saber? A menina Propoletra fala muito e sabe muito também! Como ela diz, tem livre acesso a todos os livros do mundo.
Já viajámos por 5 continentes. Conheci centenas de animais. Provei tanta comida nova, que meu pai vai ter inveja quando contar o que é a verdadeira gastronomia! Descobri quem desenhou os relógios moles do outro livro e, afinal, já não acho a mulher amarela, verde e torta tão feia. Aliás, ela é bem bonita! Descobri o que é um adolescente e faço questão de não contar para Alice como se livrar das borbulhas. A Propoletra me mostrou que as letras, quando separadas, são apenas sons e, quando juntamos vários sons, formamos palavras. Estou aprendendo, com a ajuda da minha amiga Propoletra, a LER! Sim, isso mesmo. Ler e viajar pelos livros, pelas histórias, vivendo verdadeiras aventuras...
Agora, sempre que tenho uma pergunta, minha amiga Propoletra me ajuda. Ela e os livros, principlamente o dicionário. Ele está sempre disposto a “ dizer” o que é indagar, averiguar, inquirir…
Só não consegui ainda descobrir (nem a sabichona Propoletra me soube dizer), se lááááá, no fundo do mar, os peixinhos acordam com remelas nos olhos…
FIM
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