Caça arco-iris

Hoje conto-vos a estória da minha mãe. Ela que anda preocupada, ocupada e distraída, dizia nunca ter tempo para olhar para às nuvens. Disse-me um dia que o avô e o pai dela acreditavam que olhar para o céu ocupa muito a mente e faz de nós muito sonhadores. A minha mãe amava-os e nunca os questionou. Ela nunca pensou o contrário do que havia aprendido deles.
Ao regressar do mercado num fim de semana de manhã cedinho, como de costume, a minha irmã e eu paramos a procura do arco-íris depois de terminada a chuva que nos fez parar por uns bons minutos. A minha irmã aprendeu o nome das cores e a conta-las quando tinha dois anos, de tão fascinada que ficava com esse fenómeno. A minha mãe, nos seus trinta anos, nunca tinha visto um.
Sentamo-nos por baixo de um prédio escuro, mesmo naquela manhã clara, de olhos esbugalhados a procura do arco-íris daquele dia.
- Mamã, ajuda-nos a procurar.
- Procurar o quê, miúdos?
- O arco-íris, mãe.
- Psssiut! Franziu a cara com o prolongado muxoxo, em desagrado ao que eu acabara de dizer. O avó e o bisa já diziam, não há tempo a perder...
E naquele exacto momento começa a formar-se um arco-iris tão próximo que parecia aproximar-se cada vez mais enquanto se forticavam as cores, pareceu roubar-nos a capacidade de respirar, de falar. Faltaram-lhe as palavras à minha mãe. Olhei para ela que estava boquiaberta de olhos arregalados no mais intenso arco-íris duplo que eu havia visto até então. Lágrimas corriam-lhe pelo rosto; estava completamente imóvel.
Agarrei na mão da minha mana, que me havia ensinado a amar esse fenómeno natural, e os dois abraçamos a nossa mãe, a quem a primeira experiência de ver um arco-íris foi mais do que a ínfima ideia de que "olhar para o céu ocupava muito a mente e fazia de nós muito sonhadores." Aquele momento encheu o coração da minha mãe de esperanças e levou-a a viver uma serie de emoções que ela não se havia permitido sentir. Passou a acreditar em possibilidades novas. Já não andava tão preocupada, tão ocupada ou tão distraída. No dia em que ela viu o arco-iris, cantarolou o resto do caminho até à casa e, desde então, passou a ser caça arco-íris como a minha irmã e eu.