Amizade no livro


“Para a amiga Jóia, aquela que é mesmo amiga.
Com muito carinho,
Lwa”

Mal acabei de escrever a dedicatória e notei a Assunção acelerar-se até a mesa aonde eu estava setada. Fingi não a ter visto, esperançada que parasse. Quando menos esperei…

-
Como é que podias fazer isso, Lwa?

Já ela estava pareda em frente a mim, impondo a sua estatura alta, posicionando-se de mãos à cintura, olhos esbugalhados e respiração ofegante. Não sabia o que dizer. Não tinha nada a dizer.

-
Como é que podes escrever isso, Lwa?

-
O lugar não é oportuno para abordarmos sobre algo que possas ter perguntas. Generalizei prà evitar dar pistas que ela falava desse novo livro que estreava naquela manhã. Se esperares, poderemos falar. Estou quase a acabar.

-
Agora queres falar? Não podíamos ter falado antes de escreveres tudo o que expuseste sobre mim?

-
Assunção, vamos esperar.

-
Sinceramente, Lwa! Eu pensava que fôssemos amigas.

Também eu… Pensei aliviada que ela começara a caminhar para o lado oposto.

Até então nem apercebi-me que os leitores que esperavam por mim continuaram nos seus clicks fotográficos e ou a filmarem o que havia passado. A audiência cresceu com a voz da Assunção. Que vergonha! Esperava tudo menos que ela fosse tirar satisfações.

O livro que eu estava a promover naquele evento, e enfureceu a Assunção, era precisamente um conto fictício baseado na realidade que vivemos há um ano atrás.

A Assunção e eu passamos a ser amigas três anos antes do incidente citado no livro, pois fazíamos parte do comité directivo da associação de pais na escola dos nossos filhos. Por 2 anos trabalhamos muito bem juntas e nutrimos uma amizade. Depois do incidente citado, não falamos mais até aquela tarde na livraria Maleita.

Alguns dos curiosos leitores perguntaram o que havia passado, um até perguntou se havia ligação com o livro que acabara de comprar. Outros apenas mostraram-se preocupados que a Assunção ficou a espera de mim. Não corria qualquer perigo. A Assunção era verbalmente impulsiva, mas uma verdadeira medricas para agir. Daí espantoso a veia de coragem que a levou até a livraria.
Com a interrupção dela, estendeu-se o evento por mais meia hora. Não tenho que queixar-me, pois até ela chegar tinha apenas vendido dez livros e depois da cena venderam outros vinte. Uma vizinha minha de infância, uma velha muito prà frentex, comprou logo três, um para cada uma das suas netas, disse. Segundo ela, “as meninas confiam muito nas suas amigas. Digo-lhes sempre que têm de manter o olho aberto.”

Depois de todos saírem, sentamo-nos e falamos pela primeira vez. Ela diz ter ficado chocada ouvir a descrição do livro na rádio e sentir que se tratasse dela. Expliquei-lhe que, prà alem do exemplo que lesou a nossa amizade, nada mais da minha estória era verídico.
Assegurei-a que escrevi como resolução e aceitação de que terminara o que eu achava ter potencial para o resto dos nossos dias.

-
Mas diz-me Assunção, o que é que mudou? Isso é que eu não entendi.

-
Lwa, eu achava que conseguia viver duas vidas separadas. Que as minhas amizades aqui nada tinham a ver com a minha vida no Brasil.

-
Mas, as tuas amizades no Brasil não sabem que vives cá?

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Não! Eles pensam que estou na África do Sul.

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Wow! Então vives uma mentira.

-
Vivia, Lwa. E fiquei entrapada que obscurou-me a realidade. Tenho apenas a pedir-te perdão. Até mesmo pela minha reacção de hoje. Desculpas-me?

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Não sou eu que tenho de desculpar-te e sim tu mesma, prà limpar a tua consciência. Eu estou em paz com o perdão que dei-me por deixar-me levar por uma amizade.

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Tens razão! Custa-me aceitar que ignorei-te. Sabes que revive aquele momento ali na rua Augusta em São Paulo… Até consigo sentir o paladar da paracuca de coco que estava a comer. Tanto que das duas últimas vezes que fui a casa evitei passar por lá a todo o custo.

-
Sabes, quando trabalhávamos juntas eu hesitava aproximar-me. Tinha perdido a minha melhor amiga de infância às drogas, como sabias, e receava apanhar outro trambolhão.

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Sei!

Interrompeu-nos o silêncio das memórias, que os nossos pensamentos pareciam ter continuado a conversa. Perdemo-nos em pensamento por um instante…

Arrumei as minhas canetas na carteira. Aprontei-me…

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Se tiveres mais meia hora pudemos continuar a falar com uma chávena de chá. Há uma starbucks na esquina da Robert Hudson. Esse ar condicionado fez-me fungar.

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Obrigada, Lwlw!

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Obrigada porquê?

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Por ouvires-me. Tenho outras perguntas sobre a minha suposta personagem no livro.
(…)


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