Coração vazio- Um capitulo


Aqui vai o capitulo quase completo do texto partilhado aqui antes. 

Capitulo III

Enquanto Lourdes fechou-se na sua perda, Lauria orava ao seu lado. Por vezes sozinha, no seu canto, mas incensantemente fazia-o, como aprendera das avós e da mãe. Lourdes a ignorava, xingava-na...

Certa noite, não conseguia dormir, mesmo depois de tomar um calmante. Rolou entre os lençois, lutou com a almofada e eventualmente sentou-se as escuras. Pela primeira vez não chorou ao sentir-se sobrecarregada. Pensou no Xazel, em como a vida deles a dois passou a ser a razão do seu viver. Lourdes empenhou-se a ensina-lo as diferentes linguas que aprendera sozinha, a tocar piano, cantavam juntos e os dois dançavam até mesmo ao cantigo dos passarinhos. Sentiu um aperto no coração que a pareceu paralizar.

- O que queres de mim? Sunsurrou. O que queres de mim? Porquê que levaste o que mais amei? O que queres que eu faça agora sozinha? Dizem que tens um plano prà cada um de nós, que plano da merda é esse que doi tanto? Não entendo porquê.

Seguiu pensando nas N horas que passara com a mãe e a irmã a trocarem experiências, a aprenderem a cozinhar- cada uma aprendia um prato por mês e ensinava as outras- e a costurar em silêncio . Suspirou de saudosa vontade das palavras confortáveis da mãe. Ao menos tenho a minha Lauria. Nem a tenho tratado bem...

Atirou-se para as almofadas e encolheu-se em posição fetal/embrionica apertando uma das almofadas a volta da cabeça.

Pensou no marido e na forma dócil que ele tinha de a tocar o seu ombro quando a visse tensa e abraçava-a de seguida. Da forma como ele dizia “o teu corpo delicado encaixa-se em qualquer parte de mim. Fui feito mesmo pra ti.” Pelos vistos não por muito tempo, pensou.

- Vês? Até o Manelito achava que eramos um para o outro. Prà sempre aos teus olhos... Como é que eu não vejo sussego nessa tempestade?

As palavras do Manuel ecoaram na sua mente, “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3:16)” Ele queria sempre que eu entendesse essa passagem bíblica, mas como posso eu entender isso no meio de tanta dor? Refutou Lourdes em pensamento.

Voltou a resentir o Dr. Sabalo por a ter dito que o filho já não estava vivo... Reviveu os momentos do dia da graduação na tentativa de entender como é que ela viveu todos os momentos até o Dr. Sabalo e a ex-professoara do Xazel a terem levado da sala aonde occoreu a cerimónia de graduação. Como da primeira vez, ouviu as gargalhadas do filho, sentiu-se lisongeada na forma como ele a observava ao passar por ela, como a elogiou por ter vestido o que os dois haviam escolhido. Comemos juntos o pequeno almoço, reivindicou em pensamento. Como é que pode?

Conseguiu finalmente distrair-se com o reflexo na luz que entrava por detrás das cortinas, os movimentos sombrios das folhas do mamoeiro baixinho que pareciam achocalhar a solidão. O que é que queres de mim? Reflectiu em busca de respostas, entre suspiros e abanando a cabeça, ainda sem deixar cair uma lágrima. 

Encolheu-se mais ainda. Fechou os olhos. Ó Jesus, se te dizes misericordioso, ampara esse coração. Eu estava bem... Tira essa dor insuperável que continua a querer levar-me nessa dança incenssante. O que fiz por merecer?

Já a madrugada se tinha aberto e ouviam-se indicios de um dia novo começar. De exaustão, Lourdes adormeceu.

Como há muito já não sentia, despertou guiada do cheiro de peixe frito. Levantou-se, foi até a cozinha e abraçou a Lauria,  por trás, que estava de costas para uma das entradas. 

- Alguém acordou bem.

- Não, mana. Não estou bem. Mas pela primeira vez sei que não estou sozinha. A minha dor é muito grande e eu não sei como supera-la; não sei se um dia farei. Mas fiquei acordada até tarde e não senti-me sozinha. Sinto-me triste! Obrigada, minha cassule! Desculpa! Sei que não tenho sido fácil de gerir, nem das melhores pessoas prà se cuidar.

Lauria encolheu-se, muda, ao abraço da irmã. Lourdes beijou o rosto da Lauria.

- Tu és o meu alicerce, disse Lourdes. Surpirou aliviada e voltou para o quarto, prà mudar de roupa. Lauria sorriu ao ver a irmã afastar-se da cozinha. Já não arrastava os pés. Já não carregava o peso do corpo, de cabeça prà baixo.

Lourder aprontou-se com um dos vestidos largos que ela adora usar em casa, mas penteou o cabelo. 

Sentaram-se as duas para comer. Lauria hesitou falar muito para não aborrecer a irmã mais velha. Lourdes pensou no que aconteceu, a sua atitude e comportamento, nos últimos meses, enquanto ela esteve deprimida e a irmã aí para apoia-la.

Comments

  1. Belo texto. Belo mesmo.
    Por isso temos mesmo que aumentar as orações para que tenhamos o teu livro pelas praças.

    Bom dia e uma boa semana laboral pra você querida!

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    1. Obrigada pelas preces, pela força e pelos vistos de boa semana, Claudia!
      Boa semana para ti também.

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